sábado, 1 de janeiro de 2011

Inteligências Múltiplas



por Vera Lúcia Teixeira da Silva


“[...] diversidade rima com singularidade, e é isso que faz a diferença se aceitamos
ir além das semelhanças” (MACEDO, 2005, p. 14).


Segundo Gardner (1994) as definições de inteligência dependem não somente dos indivíduos, mas também de seus valores e crenças associadas às necessidades pessoais e propósitos culturais. Dessa forma, indícios múltiplos e convergentes levaram o pesquisador a propor uma nova maneira de conceber o intelecto.
O autor declara que as interferências do ambiente podem desenvolver as várias formas de expressões do intelecto. Nessa abordagem, todos nascem com várias inteligências, sendo que a diferença é o estímulo que é dado a cada indivíduo para que seja favorecido o desenvolvimento dessas inteligências. Assim: “[...] as pessoas tem um leque de capacidades” (GARDNER, 2000, p. 43).
Por conseguinte, as inteligências são desenvolvidas em graus variados, dependendo dos estímulos que as pessoas recebem no seu percurso de vida, sendo que os valores culturais vinculam-se às capacidades intelectuais na solução de problemas que decorrem dos objetivos e valores provenientes dos desafios encontrados em cada cultura. Além dos fatores genéticos e neuro biológicos, o desenvolvimento de cada inteligência também será determinado por condições ambientais e culturais (GARDNER, 1999).
Ao abordar valores culturalmente construídos, remete-se à idéia de costumes diferentes e, conseqüentemente, as experiências e oportunidades de desenvolvimento que conduzem a habilidades e valores são diversificadas. Além disso, algumas culturas sequer possuem uma concepção de inteligência, enquanto outras compreendem a inteligência com características próprias. Portanto, a noção de inteligência está fortemente relacionada com a cultura, pois as inteligências só se desenvolvem porque são valorizados pelo ambiente cultural (GARDNER, op. cit.).
Diante disso, tornam-se fundamentais na concepção de inteligência as diferentes atuações valorizadas em culturas diversas, pois os valores e as crenças determinam as diferentes visões de inteligência (GARDNER, 1998; 2000). Além dos valores culturais em suas pesquisas, Gardner (1995) aborda elementos teóricos da neurologia e da psicologia cognitiva.
Essa perspectiva transcende a visão de uma inteligência única que cada ser humano possui em maior ou menor extensão, passível de ser quantificada. Além disso, afirma o pluralismo intelectual, reconhecendo o aspecto peculiar de cognição de cada indivíduo. Embora não se coloque em questão o potencial que alguns indivíduos possuem de sobressaírem em mais de uma esfera, as noções de amplos poderes intelectuais gerais são contestadas (GARDNER, 2000).
Segundo o autor, todos os indivíduos normais são capazes de uma atuação em pelo menos oito diferentes e, até certo ponto, independentes, áreas intelectuais.
Gardner (ibid, p.47) apresenta o conceito de inteligência como: “potencial  biopsicológico para processar informações, que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura”. O autor argumenta que uma inteligência é um termo para organizar e descrever capacidades humanas e não uma referência a um produto que determina o quanto o indivíduo é “capaz ou incapaz”. O ponto principal da teoria abrange as capacidades cognitivas de maneira diversificada, porém individualizada.
A principal implicação na abordagem da Teoria das Inteligências Múltiplas se ancora nas diferentes oportunidades de estimulação e desenvolvimento das capacidades cognitivas. Essa argumentação favorece a compreensão da inteligência como processo individual e contínuo ao longo de toda existência humana (GARDNER, 1995).
O autor identificou inicialmente sete inteligências: Lingüística, Lógico-Matemática, Espacial, Musical, Corporal Cinestésica, Interpessoal e Intrapessoal. Posteriormente acrescentou a Inteligência Naturalista como sendo a oitava.
Cada inteligência possui sua característica própria que a distingue das demais. Ao referir-se à Inteligência Lingüística, percebe-se além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem, a sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras. “A inteligência lingüística envolve sensibilidade para a língua falada e a escrita, a habilidade de aprender línguas e a capacidade de usar a língua para atingir certos objetivos” (GARDNER, 2000, p. 56). Esta inteligência está relacionada com a habilidade para usar a linguagem para transmitir idéias, sendo expressa, principalmente, pelos poetas, os escritores, os advogados, os locutores e os oradores.
A característica da Inteligência Lógico-Matemática refere-se ao processo de resolução de um problema com lógica. “A inteligência lógico-matemática envolve a capacidade de analisar problemas, com lógica, de realizar operações matemáticas e investigar questões cientificamente” (GARDNER, 2000, p. 56). Assim como acontece com um cientista bem sucedido, que necessita lidar com muitas variáveis ao mesmo tempo e criar numerosas hipóteses.
Pela Inteligência Lógico-Matemática possuir uma natureza não-verbal, a solução de um problema pode ser construída antes de ser articulada, e o processo de solução pode ser totalmente invisível até mesmo para o indivíduo que resolve o problema (GARDNER, 1995).
Conforme Gardner; Konhaber; Wake, (1998, p. 219): “[...] uma operação central nessa inteligência é a numeração – a capacidade de atribuir um numeral correspondente a um objeto numa série de objetos”.
A Inteligência Lógico-Matemática apresenta-se expressa principalmente em matemáticos, programadores de computador, analistas financeiros, contadores, engenheiros e cientistas, e juntamente com a Inteligência Lingüística proporcionam a principal base para os testes de QI.
Por sua vez, o caráter distinto da Inteligência Musical consiste na sua manifestação em habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. “A Inteligência Musical acarreta habilidade na atuação, na composição e na apreciação de padrões musicais” (GARDNER, 2000, p. 57). Inclui discriminação de sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, e habilidade para produzir ou reproduzir música. Além disso, a Inteligência Musical permite a criação e comunicação, bem como a compreensão de significados compostos utilizando-se os sons (GARDNER, 1995, 2000; GARDNER; KONHABER; WAKE, 1998). Essa habilidade está representada pelos compositores, maestros e instrumentistas, assim como peritos em acústica e engenheiros de áudio.
Outra manifestação do intelecto refere-se à Inteligência Espacial. Segundo Gardner, (2000, p. 57): “[...] deve-se ressaltar que tal inteligência também é usada por deficientes visuais, pois a inteligência espacial não depende da sensação visual. A Inteligência Espacial tem o potencial de reconhecer e manipular os padrões do espaço”.O autor afirma que as populações cegas ilustram a distinção entre a inteligência espacial e a percepção visual, pois uma pessoa cega pode reconhecer formas ao passar a mão ao longo do objeto. Assim, tal método traduz a duração do movimento, que por sua vez é traduzida no formato do objeto (GARDNER, 1995). Para a pessoa cega, o sistema perceptivo da modalidade tátil equivale à modalidade visual na pessoa que enxerga. Além da principal aplicação desta inteligência nas artes visuais, ela também é utilizada entre os geógrafos, cirurgiões, escultores, jogadores de xadrez, artistas gráficos, arquitetos, decoradores e navegadores. Ao referir-se ao corpo em movimento solucionando problemas, aborda-se a característica da Inteligência Corporal Cinestésica. Esta inteligência se refere à habilidade  para resolver problemas ou criar produtos utilizando-se o corpo, ou parte do corpo. Portanto, solicita a coordenação grossa ou fina em esportes e jogos, artes plásticas ou no controle dos movimentos do corpo.
Por meio dessa inteligência torna-se possível perceber o ritmo, a força, e toda
manifestação de movimentos. Situações explícitas da manifestação da Inteligência Corporal Cinestésica referem-se à expressividade dos dançarinos, assim como a habilidade apresentada pelos alpinistas, pelos jogadores de esportes coletivos e pelos mímicos, pois demonstram a capacidade de realizar ações motoras amplas e finas na busca da solução de uma situação problema.
“A Inteligência Corporal Cinestésica acarreta o potencial de usar o corpo (como a mão ou a boca) para resolver problemas ou fabricar produtos” (GARDNER, 2000, p. 57).
Cabe ressaltar que esta concepção de inteligência distancia-se das visões tradicionais que abordaram o intelecto humano. De acordo com Gardner, Konhaber e Wake (1998, p. 221):
“Operações centrais a essa inteligência é o controle sobre as ações motoras amplas e finas e a capacidade de manipular objetos externos”.
Embora muitos pesquisadores considerem a inteligência corporal como uma função cortical “menos elevada”, para Gardner (1994, p. 164): “[...] o funcionamento do sistema motor é tremendamente complexo, exigindo a coordenação de uma estonteante variedade de componentes neurais e musculares de uma maneira altamente diferenciada e integrada”.
Os fundamentos biológicos dessa Inteligência são complexos, pois se referem à coordenação de sistemas neurais, musculares e perceptuais. Gardner afirma que o desenvolvimento da Inteligência Corporal Cinestésica avança de reflexos iniciais, como sugar, para atividades cada vez mais intencionais por meio do movimento.
Segundo Souza (2001), gestos simples que pouco são percebidos, mas que fazem parte do cotidiano exigem ajustes motores complexos e são exemplos da autonomia do corpo que se denomina sistema periférico, ou seja, os movimentos ocorrem sem o comando do cérebro. Em sua pesquisa o autor investiga os movimentos corporais como manifestação da Inteligência, enfatizando que os gestos de dançar, nadar ou correr são classificados como habilidades gerais e, portanto, movimentos globais. Contudo, quando são utilizados para a resolução de situações problema, podem ser consideradas manifestações de Inteligência, assim como habilidades específicas como, por exemplo, dobradura, pintura, cirurgia e movimentos realizados por esportistas.
O autor procura transcender o aspecto biológico ou ambiental da evolução humana, buscando a verificação de que os comportamentos possuem inter-relação e interdependência da estrutura biológica com a transmissão cultural dos hábitos comunitários herdados pelo homem para melhor sobreviver. Para o autor, ao abordar os comportamentos corporais como manifestação de Inteligência busca-se compreender a motricidade humana em sua complexidade.
Outra manifestação do intelecto refere-se à Inteligência Interpessoal, a qual abarca a habilidade que emprega capacidades centrais para reconhecer e fazer distinções entre os sentimentos, as crenças e as intenções dos outros. A Inteligência Interpessoal denota a capacidade de entender as intenções, a motivação e os desejos do próximo e, conseqüentemente, de trabalhar de modo eficiente com terceiros (GARDNER, 2000, p. 57). Essa inteligência refere-se à habilidade de relacionar-se com outros, dialogar e convencer as pessoas próximas para um objetivo determinado, entender os sentimentos e as características pessoais dos outros e saber lidar com elas de maneira eficiente. Em crianças pequenas, essa inteligência é vista como a capacidade de discriminar entre os indivíduos de seu meio ambiente e perceber o humor dos outros. Em suas formas mais desenvolvidas, a Inteligência Interpessoal se manifesta na capacidade de compreender os sentimentos e atitudes dos outros. Esta manifestação do intelecto, esta bem interpretada pelos terapeutas, professores, vendedores, políticos, líderes religiosos, líderes políticos e atores (GARDNER; KONHABER; WAKE, 1998; GARDNER, 2000).
A Inteligência Intrapessoal relaciona-se com a noção que o indivíduo tem dos
próprios sentimentos, referindo-se à capacidade de autoconhecimento que ele possui. “A
Inteligência Intrapessoal envolve a capacidade da pessoa se conhecer, de ter um modo individual de trabalho eficiente incluindo aí os próprios desejos, medos e capacidades de usar essa informação com eficiência para regular a própria vida” (GARDNER, 2000, p. 58). Em seu nível mais avançado, a inteligência intrapessoal consolida discriminações avançadas dos próprios sentimentos, intenções e motivações, que trazem um elevado nível de autoconhecimento (GARDNER; KONHABER; WAKE, 1998). O autor também enfatiza o papel desempenhado por essa inteligência para permitir que os indivíduos construam um modelo de si e utilizem esse modelo para tomarem boas decisões em suas vidas.
Posteriormente Gardner (2000) relata a Inteligência Intrapessoal como imprescindível nas decisões pessoais. Além disso, o autor considera mais o aspecto peculiar das emoções, do que emoções reduzidas somente às determinados tipos de inteligência. “Além do mais, agora considero as facetas emocionais de cada inteligência do que as emoções restritas a uma ou duas inteligências pessoais” (p.58).
A Inteligência Naturalista é demonstrada no reconhecimento e na classificação de numerosas espécies da flora e da fauna. Essa demonstração de Inteligência está expressa pelos indivíduos de vasto conhecimento sobre os seres vivos. “Um naturalista demonstra grande experiência no reconhecimento e na classificação de numerosas espécies” (GARDNER, 2000, p.64). Essa manifestação do intelecto se refere à habilidade em lidar com situações ligadas a natureza, está bem representada pelos biólogos, cientistas natural, paisagistas e ambientalistas.
Essas inteligências até certo ponto são independentes, contudo elas não funcionam isoladamente. Apesar de indicar a existência de oito tipos diferentes de inteligências, embora existam predominâncias, as inteligências se interagem e pode ser que determinadas inteligências tenham mais ligação umas com as outras, pelo menos em alguns cenários culturais.
O autor sugere que essa lista de inteligências, não tem um caráter permanente, portanto, torna-se provisória, sendo que cada uma das inteligências abriga sua própria área de sub-inteligências e que a relativa autonomia de cada inteligência e as maneiras como elas exercem uma ação mútua necessitam ser mais estudadas (GARDNER, 2000). O autor profere:
“[...] falei de inteligência geral, que se divide em diferentes modalidades, que são as inteligências múltiplas, que por sua vez também se subdividem em muitas outras, a que chamo de subinteligências”(GARDNER, 2006, p. 21).
No entanto, apesar dessas subdivisões, as diferentes manifestações de inteligências trabalham em um sistema que se baseia na ajuda mútua, ou seja, na contribuição de todas, para se apoiarem na resolução de determinada situação problema.
O autor ressalta a importância genética reforçando a necessidade da estimulação que se realiza na interação constante de fatores genéticos e ambientais, sendo que essa interação sobrepuja fatores especificamente genéticos. “Quanto mais (inteligente) o ambiente, quanto mais fortes as intervenções e os recursos disponíveis, mais capazes se tornarão às pessoas, e menos importante será sua herança genética” (GARDNER, 2000, p.111).
A partir dessa premissa, a qual preconiza que os seres humanos dispõem de graus variados de cada uma dessas inteligências os quais resultam das maneiras diferentes de combiná lãs e organizá-las, para alguns propósitos em determinadas culturas pode ser importante explorar as mais variadas combinações de inteligências. Com todas essas proposições, embora Gardner não tenha concebido a Teoria especificamente para a área educacional, devido ao fato de se analisar a importância das diversas formas de pensamento, juntamente com a relação existente entre aquisição do conhecimento e cultura, as implicações da Teoria das Inteligências Múltiplas tornaram-se explícitas para educação.

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