sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A mão e o lápis

A mão e o lápis


                                                                                 
João Batista Freire

            Dona Clotilde estava acabrunhada quando a encontrei naquela tarde. Os finais de tarde eram nosso horário preferido para conversar. Enquanto caminhávamos perguntei-lhe a razão de tanto abatimento. A boa velhinha lembrava de quando se aposentou, final dos anos sessenta. Declaradamente ela havia sido criticada por suas maneiras de ensinar, e isso ela havia escutado da boca de várias pessoas ou lido nos textos de novos autores. Criticavam-lhe, entre outras coisas, o hábito de pegar na mão dos alunos mais inseguros e ajudá-los a escrever as primeiras palavras no caderno.
            Ela se ofendeu um pouco quando ri de suas queixas. “Será que eu não estava dando a devida importância aos seus reclamos” “Não era isso Dona Clotilde”; eu ria dos modismos na educação. Houve um tempo em que passamos a acreditar que o aluno deveria ser o autor de todas as ações para aprender; o professor quase desapareceu. Agora, enquanto caminhávamos naquele fim de tarde, a moda era intervir mais diretamente. A professora que pegava na mão do aluno, guiando-lhe as primeiras palavras, voltava a ter valor. Ela que não se preocupasse, era assim mesmo. Entre modismos de uma época e outra, os alunos continuavam quase nada aprendendo nas escolas.
            Mais conformada, ficamos conversando sobre o tempo em que ela era minha professora. Lembro que fui daqueles que ela ajudou pegando na mão para guiar o lápis. Não eram só palavras que ela me ensinava a colocar no papel; naquele dia ela se colocou ao meu lado para me ajudar nas coisas que eu tinha que aprender durante a vida. Até hoje, quando me vejo em dificuldades para aprender alguma coisa, sinto a presença de Dona Clotilde segurando minha mão e guindo meu lápis sobre o papel.
            Mas a boa velhinha não estava nas melhores tardes. Queixou-se da enorme dificuldade que sempre teve para ensinar. “Como era difícil ensinar alguma coisa a alguém”, ela disse. Eu, de minha parte, confortei-a dizendo que sentia a mesma dificuldade. Trinta anos de magistério não foram suficientes para eliminar as dificuldades. De duas uma: ou dar aulas é muito difícil ou eu é que sou muito burro!

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